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a diferença em mim vista por vós, é a mesma por mim vista em vós.

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Sexta-feira, 14 de Outubro de 2005

O bife duro

Fernando e Miguel são os exploradores da cafetaria do meu local de trabalho.
Miguel é a esposa de Fernando e é uma mulher extraordinária, muito sensível como já tive algumas vezes a oportunidade de o comprovar.
No final do meu horário de trabalho, gosto de lá ir para fazer um rápido lanche antes de ir para a escola e geralmente acabamos a conversar as duas. São estes os momentos em que ela me saboreia com a sua doçura no seu cândido olhar, por vezes as suas lágrimas castanhas como os seus olhos, brotavam toda a sua sensibilidade e com as mãos abria o peito e via-se o coração é assim que Miguel é para comigo.
Temos as duas aproximadamente a minha idade e muitas coisas em comum. Na nossa relação de amizade, ela confidencia-me algumas atitudes que menos a agradava dos clientes que tinha, mas que gostava de todas as pessoas em geral porque eram simpáticas só alguns casos (poucos) mereciam o seu reparo no sentido negativo.
Eu como uma ouvinte, também sensível, enquanto comia e bebia escutava atentamente tudo que me dizia e nos momentos mais difíceis dizia-lhe palavras de conforto e acabava por sair com uma certa pena em deixa-la, porque gostava muito de falar com ela, mas o dever chamava-me.
A cafetaria abriu à relativamente pouco tempo e as infra-estrutura não são das melhores, inclusive não tem ainda cozinha dentro da cafetaria, Têm que improvisar a cozinha noutro lado, fora do espaço fechado e quando chove… é complicado. Eu sei! Ou julgo que sei?
É a cozinha de campismo com panelas grandes e fogões pequenos, kilos de batatas e bidões de agua, a luz vem de extensões do “vizinho”-quase tudo descartável, no entanto devo dizer que a higiene é rainha, mais do que em muitos lugares do mesmo ramo e com todas as condições. Tudo isto para explicar que nunca vi tristeza nos seus olhares por causa deste motivo, antes pelo contrário riam e digo riam porque são duas pessoas –a Miguel e a Nina que mais abaixo vou descrever, elas acham graça, uma graça de conformismo, de aceitação e de agradecimento, muito raro na nossa vida actual.
Miguel também diz que é como no campismo e ri, o que me fazia ainda a admirar mais.
Com sorrisos e simpatia, o lema da casa, que agrada aos clientes que aumentam cada dia que passa e eles não têm mãos a medir, trabalham como loucos na hora da refeição. Na hora certa é uma multidão pequena que chega toda de uma vez só e agrupados numa fila torta, espreitam curiosos para ver aquilo que os outros escolhem para comer e ao mesmo tempo falam uns com os outros sem olharem para os olhos deles. Coisas da sociedade! Eu também faço o mesmo quando estou acompanhada, porque prefiro o meu observar silencioso como companheiro e amigo para depois tirar as minhas conclusões.
A equipa está pronta para receber os “galifões” o Fernando está na caixa registadora a receber o xelim e coordenar todos ao mesmo tempo, ele é assim… um bom gestor; a Helena é um amor de pequena que já conheço à longa data, esta na recolha dos tabuleiros, na louça e no que der e vier; Marco e a Miguel estão no serviço de atendimento aos “pratos”, parecem baratas tontas e a Nina que é a cozinheira faz uma sopa divinal, motivo de disputa entre os esfomeados quando esta não chega para todos, também é uma querida, como todos os outros – são uma equipa de queridos.
Isto tudo para vos contar que naquele dia quando fui lá, logo de manhãzinha, disse que estava com problemas de saúde e que pensava fazer uma dieta, o Fernando, a pessoa que me atendeu, muito atencioso, como costume, sugeria um bifinho grelhado com um purezinho de batata e uma sopinha de legumes e eu concordei.
Lembro-me que lhe disse para o temperar só com sal, mas não me lembro se lhe disse que era mal passado, mas devo ter dito porque sou muito cuidadosa nos meus gostos e sei que devo sempre repetir pelo menos umas três vezes como quero as coisas, isto porque tenho poucos dentes de origem e os outros que foram comprados na dentista de S. Mamede onde costumo ir periodicamente (de dez em dez anos-hihihi); são muito delicados. Ora como sabem?! Os dentes originais são mais resistentes que os outros; também se queixam mais quando a coisa é dura mas os outros também... não sei porquê?!!! São de plástico. Acho eu? Há coisas que a minha cabecinha não entende muito bem.
Finalmente chegou a minha vez de ser atendida vou com o meu tabuleiro na mão, muito obediente e chique com um sorriso que nasceu comigo, abano com a cabeça em cumprimento e também como quem diz já cheguei e quero comer, ao Marco e á Miguel que olham para mim e também cumprimentam com um sorriso e depois a Miguel disse-me.
- Ana o teu bife vai ser grelhado agora, queres comer a sopa já que depois levo o prato?
E eu disse.
- Sim, obrigada vou sentar ali, vez ao fundo para ver o mar e sonhar.
E ela riu-se, sabe qual é o meu problema, sabe que sou uma sonhadora deambulando num mundo que só dorme.
Enquanto comia a deliciosa sopa de Nina apercebo-me da confusão que me rodeia, e estranho o muito que se tem para falar- questiono se alguém ouve o que alguém fala?
Continuando na quentura que a sopa dá, calor já apetecido nesta altura do ano estou quase a acabar quando chega a Miguel com o pratinho do meu bifinho grelhado, como eu tinha pedido. Pensava eu? Agora não tenho dúvidas que tinha pedido mal passado, porque lembro-me que disse à Miguel pelo menos três vezes, como sempre fazia.
Começo pela salada que me refresca a quentura sentida na boca, este contraste de temperaturas agrada-me sendo suave como foi; humm! e sem mais rodeios, quero provar o problemático bife e digo problemático porque foi um problema para o comer, comecei no princípio do espetar o garfo o que já foi difícil, mas quando tento cortar um naco da peça?!! Óóó…ó era dura como cornos.
Eu não queria acreditar que aquilo estava no meu prato.
O que fazer? Comer ou não comer? Eis a questão!
Optei por comer na esperança de encontrar uma parte do meio melhor, mas mais uma vez me enganei, aquilo foi um verdadeiro teste físico à minha pessoa, um desafio aos meus dentes aos originais e aos outros, que rangiam por todo o lado, os fios do animal fizeram parte da minha boca, melhor dizendo das gengivas que o próprio puré, macio e cremoso ficou duro e tinhoso.
Não muito conformada com aquela situação tentei por algumas vezes falar com a Miguel, para brincar com ela ao pedir-lhe uma motosserra para cortar o bife, mas o barulho era meu inimigo e acabei por desistir, decidi então aceitar o desafio até ao fim e depois diria alguma coisa até para brincarmos todos um bocadinho.
Foi o que fiz. Só que não correu como tinha previsto e saiu tudo ao contrário. Quando fui ter com eles, estavam os quatro sem clientes para atender no balcão e o ambiente da sala, já estava mais calmo, e eles continuavam, ali à espera que alguém quisesse mais alguma coisa; diria que estavam como os atletas numa posição de partida numa corrida, como eu quando está quase a chegar à minha hora de sair do emprego (hihihi - isto não é para se dizer rsrsrsr).
Quando me aproximo deles faço-o com um sorriso da altura e é engraçado como temos tantos sorrisos diferentes, hoje já fiz alguns -bem continuando, todos eles sorriram também para mim com um sorriso diferente, está claro! eu devia estar mesmo muito cega e aborrecida para fazer o que fiz a seguir, comecei a rir alto e a dizer que o bife era duro como cornos. Ora as outras pessoas que estavam ainda lá a acabar de comer, calaram-se e ficaram atentas ao que se estava a passar, umas mulas -penso eu – mas só agora! - Mas naquele momento foi publico escolhido para o meu espectáculo e continuei a dizer que o bife era duro como cornos e que me doíam os dentes e que ninguém se interessou pelos meus avisos que o queria mal passado pois ele estava duro porque estava muito passado, era uma sola autentica e ainda disse mais mas isto bastou para o sorriso deles fugir da cara, mas o meu continuava como se estivesse desenhado com tinta na minha cara. Ups! Fiz merda (penso agora)!
Informo que não bebi bebidas alcoólicas mas parecia que sim, porque tudo o que tinha pensado para dizer devia sair de uma forma verdadeira mas melodiosa e não como o esgar de palavras sem qualquer graça, devo ter pensado que estava num palco a representar alguma personagem de alguma revistazeca de humor negro.
O meu riso perante um mar de desculpas de todos e até daqueles que nem intervieram, um desânimo estampado na cara Miguel, que disse que para a próxima dava-me um bife da parte do vazio e cru, e a Nina essa tentava dizer qualquer que nem ouvi, eu devia estar com a cabeça atrofiada e não sei com quê?
Como é possível?
Não me conformo que, eu, numa tentativa em dizer algo que me incomodou mas que até achei graça e nisso um motivo para rir com o restante pessoal, até porque ninguém me ofendeu?!! Mas porquê que não consegui dizer tudo num tom de voz mais simpático e agradável?
Na sua vez, sai um tom de voz que não programei, um tom de queixinhas e de ofensa porque no fundo chamei-lhes incompetentes.
- Porquê que fiz isso? - Se não era isso que eu queria fazer/dizer.
Deus, ainda não me ensinou a superar esses meus lapsos de comportamento, mas continuarei a pedir-lhe até o conseguir.
A minha actuação foi até a minha saída do local, sempre a rir como se tivesse dito algo inofensivo e engraçado mas na verdade o que fiz foi culpar alguém e esse alguém era a cozinheira ou então alguém que não disse o que devia dizer à cozinheira e esse alguém era a Miguel a minha amiga que esteve sempre de feições vermelhas e sem o seu sorriso, terno e sincero.
Mas o mais curioso disto tudo é que não me lembrei da cena durante a tarde, de vez em quando tentava tirar uns fios que ficaram teimosamente nos dentes, além de os ter lavado, nesses momentos lembrava-me do bife duro, só não me lembrava da cena que fiz perante os meus amigos.
Em casa à noite ao fazer o jantar para mim e para o meu marido resolvi fazer umas lulas que julgava eu que já estavam mortas mas pelos vistos ainda não estavam! Pulavam, ou melhor dizendo, nadavam pela frigideira fora, explosões por todo a cozinha - uma verdadeira batalha de lulas e Ana, levei aquilo a peito e recorri à minha armadura (um testo de panela) mas mesmo assim estava com vontade de comer só uns ovitos cozidos, mas o meu marido adora aquelas lulas fresca, fritas em azeite; estão a ver…parecia a guerra na idade média quando entornavam os caldeirões com azeite a ferver para cima do inimigo, mas compreendo e aceito o apetite do meu marido - senão o que seria da vida se não fazemos uns miminho/sacrifícios um ao outro?
Continuava furiosa a ralhar com o fogão e com as lulas, fazia-o tão alto que os meus animais - gatos e cães estavam todos a olhar para mim pelo lado de fora da janela da cozinha, penso que estavam também á pesca/espera que alguma lula fosse ter com eles. O meu marido, espreitava da sala para a cozinha e ria-se, porque esta cena já era repetente e ele já a conhecia, para mim fritar lulas em azeite é um acto de prova de amor que lhe dou. Os meus protestos já são conhecidos na vizinhança e agora até falo com o frigorifico que está a verter agua para o chão e o meu marido só espreita para ver se eu estou bem,… da cabeça, claro! De que mais?... Ele sabe que eu sou muito faladora mas só para as coisas que lido de perto, melhor dizendo falo sozinha para as coisas e não faz caso. Quando acabei de fazer o jantar, sentamo-nos e demos graças ao Senhor pela refeição, como é costume lá em casa.
Enquanto como, observo o frigorifico, os azulejos, o fogão as bocas do fogão. Ai! Ai! O que vai ser de mim, vou passar o resto da noite a lavar a cozinha e nesse momento lembro-me das condições que a cafetaria do Fernando e da Miguel têm e prontos, está o caldo entornado, lá vem a clareza da água da fonte da vida ao de cima -é o que eu digo o mundo anda, mas anda a dormir e de vez em quando lá acorda
Umas das coisas que me chama muito a atenção é a atitude que cada um tem em relação a determinada situação e para mim basta que haja um olhar diferente para me chamar a atenção, noto imediatamente a diferença de comportamento nas pessoas, assim foi com a Nina que depois do almoço passa por mim sem dizer nada e cabisbaixa, o que não era normal.
Imagino a Nina e a Miguel a cozinhar para dezenas de pessoas com condições de campismo sempre com um sorriso nos lábios e bem dispostas e sem fazerem queixas a ninguém e depois olho para mim com mais condições do que a delas e eu cozinho para duas pessoas e chamo a atenção de metade da vizinhança e dos animais e acabo por dizer mal de tudo, sou uma ingrata.
Sei que tive uma falta de coragem que pode ser resolvida ao falar com as pessoas e também sei que tive mais uma lição da vida, porque não valorizei o que tenho, mas o mais grave para mim foi a minha atitude que tive perante pessoas que o sabem fazer –Miguel, Fernando, Marco, Helena e Nina – eu admiro-vos.



escrito por A.fe às 16:30

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21 comentários:
De Anónimo a 14 de Outubro de 2005 às 16:54
Ana Maria!
Como foste mazinha!
Agora tens de ir falar com eles e dizer o que tu sabes.

Texto longo mas que se lê com agrado.
Muito bem!
Gostei!

Jinhos
António
(http://eusoulouco.blogspot.com)
(mailto:a.castilho.dias@clix.pt)


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